CARTA ABERTA – Por todas as mulheres que já silenciaram sua dor [MARUSSA BOLDRIN]

“Eu estive em um relacionamento abusivo. Dizer isso em voz alta já é, por si só, um ato de coragem. Durante anos, fui silenciada dentro da minha própria casa.
Fui desvalorizada, desacreditada, diminuída como mulher, como mãe e como profissional. E, por muito tempo, acreditei que suportar em silêncio era o caminho. Hoje, sei que não era.
Me casei acreditando no amor, acreditando na parceria. Tínhamos uma filha a caminho, uma vida inteira pela frente e muitos sonhos a serem vividos.
Mas, logo após o nascimento da minha primeira filha, o homem que havia jurado cuidar de mim se afastou, emocional e fisicamente, e as agressões psicológicas começaram.
Eu tentava compreender, tentava reconectar, insistia no que já não existia. Não casei para separar – repeti isso tantas vezes para mim mesma.
Insisti, mesmo quando ele passou a me ferir com palavras. Quando dizia que meu trabalho não prestava, que eu era incompetente. Quando desdenhava do meu mandato, usando até mesmo palavras de baixo calão.
Quando dizia sentir nojo do meu leite enquanto eu amamentava. Ainda assim, eu me calava.
Por medo, por vergonha, por acreditar que tudo ia mudar. Eu me calei. E me arrependo profundamente de ter silenciado a minha voz.
Enquanto eu lutava na vida pública, ele me sabotava na vida privada. Nunca me apoiou com sinceridade, apenas por conveniência. Nem mesmo compareceu à minha posse de reeleição como vereadora.
Eu seguia tentando. Mesmo depois de descobrir uma traição, em que a outra pessoa chegou a me mandar mensagem expondo o relacionamento entre eles, tentei reconstruir.
Engravidei do segundo filho mais uma vez tentando corrigir a rota do abuso com amor.
Ao invés da relação dar sinais de melhora, os abusos se transformaram em pesadelos diários e a pressão psicológica e moral passou a ser regra dentro de um lar que deveria ser um porto seguro.
Fui xingada, maltratada, ameaçada e humilhada, criando, infelizmente, uma rotina de sofrimento. Me agarrei à falsa esperança de que o amor pudesse curar o que, na verdade, era abuso.
Mas não há cura quando não há respeito. Não há reconstrução possível onde há destruição emocional diária.
A distância entre nós passou a ser questão de segurança para mim e, quando decidi avançar na política almejando um cargo maior, ele se reaproximou — não por mim, mas pelo interesse no que eu representava.
E, mais uma vez, me iludi acreditando que a prestatividade dele era real, mas o tempo provou que eu estava errada. Ele continuou a me machucar psicologicamente e a me humilhar moralmente.
E, em 2023, ultrapassou todos os limites: me agrediu fisicamente pela primeira vez. Eu tive medo. Tive vergonha.
E optei por não contar nem para minha família, que já havia entendido o relacionamento abusivo em que eu estava.
Pensando em proteger nossos filhos, tentei mais uma vez. Pedi que ele fizesse terapia, mas ele se recusava.
Me pedia desculpas de forma fria, com frases prontas, como se a dor e a humilhação que eu vivia pudessem ser apagadas com um “foi mal”.
Com medo de represálias e de colocar em risco minha segurança e a dos meus filhos, procurei ajuda da forma que consegui. E, por fim, consegui colocá-lo para fora de casa.
Desde então, passei a ser alvo de ainda mais ataques e chantagens. Tive minha honra colocada em dúvida. Vi o nome da minha família virar alvo de boatos.
E, agora, meu silêncio — que antes era por medo — passou a ser lido como cumplicidade. Não posso mais permitir que isso continue.
Por muito tempo, eu não me enxergava como vítima. Me cobrava constantemente, como se o erro fosse meu por insistir e por não saber colocar um ponto final.
Mas, com a ajuda de psicólogos e do tempo, compreendi que nada justifica o que vivi. Que nenhuma mulher deve suportar isso. Que o amor próprio e a coragem devem ser maiores que o medo.
Hoje, com muita dor e coragem, escolho contar a verdade. Escolho tirar a máscara de um relacionamento abusivo que durou anos.
Escolho proteger os meus filhos, proteger a mim mesma e também todas as mulheres que sofrem caladas, como eu sofri.
Não tenho mais medo de ser julgada, porque quem deve ser julgado é quem cometeu os abusos — físicos, psicológicos, morais.
A verdade precisa vir à tona, para que outras mulheres tenham coragem de fazer o mesmo: se libertar”.
Marussa Boldrin (MDB) é deputada federal por Goiás