TJGO barra ‘pandemia de irregularidades’ de Cabo Borges em obra sem licitação do Hospital Municipal em Alto Horizonte
Prefeito perdeu recurso em Goiânia onde tentou reverter decisão de juiz de Campinorte, que acatou pedido do MP sobre suposto direcionamento do investimento de R$ 4 milhões para erguer, com urgência pela Covid-19, obra que já estava prevista desde o ano passado
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) decidiu, no final da tarde da segunda-feira (17), que as obras do futuro Hospital Municipal Darcy Pacheco, de Alto Horizonte – estimadas em mais de R$ 4 milhões – continuarão paralisadas por tempo indeterminado.
No despacho, o desembargador Walter Carlos Lemes, atual presidente do TJ, disse que não há urgência de reformar a sentença dada na quinta-feira (13) pelo Poder Judiciário de Campinorte, que havia determinado a suspensão dos serviços e interdição do canteiro de obras, na última semana.
O prefeito Luiz Borges da Cruz, o Cabo Borges (PSD) tentava derrubar a decisão inicial do juiz Hugo de Souza Silva à suspensão de contratos firmados pela Prefeitura de Alto Horizonte mediante dispensa de licitação com duas empresas, à realização da obra, por conta da pandemia da Covid-19.
Nos argumentos da liminar negada pelo TJ-GO, o chefe do Executivo altorizontino alegou que seu único interesse é fornecer uma boa estrutura hospitalar aos munícipes. Borges está em seu terceiro mandato como prefeito; e é pré-candidato a reeleição em novembro.
ENTENDA O CASO – A investigação das supostas irregularidades – acatadas na decisão do juiz de Campinorte, num total de oito páginas – são decorrentes de um pedido do Ministério Público (MP) da cidade do Norte do Estado, após ação popular encabeçada pela ex-vereadora de Alto Horizonte, Lauanda Peixoto Guimarães.
Bacharel em Direito, Lauanda relatou ao MP que, no último dia 18 de maio, a Prefeitura de Alto Horizonte divulgou que realizaria a construção de um hospital na cidade, que hoje conta com pouco mais de 6 mil moradores.
Porém, de acordo com a ex-vereadora, ela não localizou nenhum documento que desse a publicidade legal à obra, em pesquisa realizada no Portal da Transparência da prefeitura.
Logo depois que anunciou a obra, informou Lauanda, a gestão de Cabo Borges anunciou celebração no valor de R$ 76.103,20 – sem licitação – para o projeto arquitetônico do hospital, através da Comarques Construtora e Arquitetura.
DIVERGÊNCIA DE DATAS – Sempre de acordo com a ex-vereadora – cujo teor da denúncia foi detalhado pelo juiz de Campinorte em sua decisão – já existia um projeto arquitetônico do hospital de Alto Horizonte cadastrado desde o início de setembro de 2019 no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).
Fora isso, ainda causou estranheza à Lauanda o fato de que a solicitação para que o Corpo de Bombeiros de Uruaçu à análise de tal projeto foi feito pela Comarques em 22 de abril, antes mesmo da empresa ser contratada ao serviço pela Prefeitura de Alto Horizonte.
Em 29 de maio deste ano, detalhou Lauanda ao MP, a obra foi iniciada pela empresa Campos e Valente Construtora Ltda pelo exato valor de R$ 4.054.804,72 – exibido na placa defronte à obra – fato esse que a Prefeitura de Alto Horizonte anunciou em todas as suas redes sociais.
Todavia, a exemplo do que ela própria havia verificado a respeito do contrato com a Comarques, Lauanda também constatou a inexistência de informações sobre o documento celebrado com a Campos e Valente, no Portal da Transparência da prefeitura.
AS ALEGAÇÕES DO MP – Embora a Prefeitura de Alto Horizonte tenha feito sua defesa na ação popular sob a alegação de que a cidade, fundada há 30 anos, necessita de um hospital; e que os trâmites à obra foram pautadas pela boa-fé do Cabo Borges, o MP entendeu que o Poder Executivo já tinha clara intenção de construir o hospital em 2019.
Por isso, segundo a Promotoria de Campinorte, Cabo Borges valeu-se ilegalmente da atual situação de calamidade pública na área da Saúde pelo novo coronavírus, em Alto Horizonte.
O MP fez constar, ainda, que que Borges desobedeceu a recomendação anterior do próprio MP quando decidiu erguer o hospital, sem observar os rigorosos critérios que autorizam gastos públicos e/ou obras mediante dispensa de licitação.
SEM SUSTENTAÇÃO JURÍDICA– Em seus argumentos, o juiz Hugo de Souza Silva disse que o prefeito Cabo Borges – mesmo diante da hipótese que o autorizaria construir o hospital sem licitação – não apresentou documentos que comprovassem a necessidade da modalidade adotada; e nem mesmo a adoção de um processo licitatório formal ao investimento orçado em R$ 4 milhões.“Como bem apontado pelo Ministério Público, o Município de Alto Horizonte já projetava construir um hospital de caráter definitivo, que não tinha por finalidade atender emergencialmente os casos de Covid-19. O que se vislumbra da documentação já constante dos autos – que é pública e fora apresentado em sua maior parte pelo requerido [o Poder Executivo] – é que o procedimento de dispensa de licitação não tem sustentação jurídica”, afirmou o magistrado-titular da Comarca de Niquelândia, que responde em substituição pelo Judiciário de Campinorte.
Ainda em seu despacho, Hugo de Souza Silva afirmou que a Prefeitura de Alto Horizonte tinha por obrigação – mesmo diante de uma situação de necessidade/urgência – dar publicidade a seu interesse de construir o hospital para qualquer empresa que se enquadrasse às exigências legais na apresentação de eventual proposta para os serviços.
“Isso, certamente, seria mais vantajoso ao patrimônio público, vez que se estabeleceria uma concorrência (ainda que mínima) entre os prováreis interessados. Em suma, a finalidade da obra não é atender à situação de emergência decorrente da pandemia de Covid-19, porque trata-se de um hospital de grande porte [o Hospital Municipal]; e não uma estrutura de um Hospital de Campanha [de montagem provisória, para posterior desmontagem]”, elencou Hugo.
De acordo com o juiz, existem sérios indícios de que houve direcionamento e falta de lisura da Prefeitura de Alto Horizonte no procedimento de dispensa de licitação que resultou na contratação da Campos e Valente, aproveitando-se dos dissabores provocados na Saúde Pública pela proliferação do novo coronavírus.
O magistrado fez constar que tudo foi efetivado num espaço de apenas quatro dias corridos entre o início do trâmite [em 22 de maio, uma sexta-feira]; e a celebração do contrato [em 26 de maio, uma terça-feira], intercalados por um sábado e por um domingo.
“Não é razoável imaginar que uma construtora que não tivesse conhecimento prévio do objeto contratado [a construção da estrutura física] apresentasse, em prazo tão exíguo, uma previsão séria e responsável de uma obra de grande porte, como é o caso de um hospital”, disse o juiz Hugo de Souza Silva.
Dada a necessidade de comprar equipamentos e de contratar a mão-de-obra especializada, o magistrado também levantou a possibilidade de que o Hospital Municipal de Alto Horizonte entre em funcionamento somente em janeiro de 2021.
Isso tiraria, em tese, o caráter emergencial da obra uma vez que os meios de comunicação estão noticiando o possível registro de vacinas contra a Covid-19 em várias partes do mundo, com a possibilidade dos altorizontinos serem imunizados nos próximos meses.
Sobre a discussão no que diz respeito ao quantitativo de casos de novo coronavírus em Alto Horizonte – dados da Secretaria Municipal de Saúde apontavam, na última segunda-feira, 92 pessoas com testagem positiva, dentre elas três mortos – o juiz entendeu que esse panorama é inócuo porque o quadro; a quantidade; e o estado clínico das pessoas se modificam a todo momento.
DOCUMENTOS SEM ASSINATURA– O juiz Hugo de Souza Silva também relatou, na decisão do último dia 13, a existência outras sérias irregularidades à construção do Hospital Municipal de Alto Horizonte, como a falta de previsão orçamentária prévia sobre os R$ 4 milhões estimados para concluir o serviço; e o impacto financeiro da obra, com esse gasto de R$ 4 milhões nas contas públicas rotineiras da prefeitura
“Muitos documentos sequer foram preenchidos e assinados pelos responsáveis técnicos e autoridades competentes como as declarações de compatibilidade orçamentária e risco financeiro, por exemplo, demonstrando total descuido do poder Público com a necessária e completa formalização da documentação do procedimento de dispensa de licitação”, afirmou o magistrado.
PORQUE O TJ NEGOU O RECURSO DE BORGES? Em linhas gerais, o desembargador-presidente do TJGO manteve a validade da liminar concedida pelo juiz de Campinorte pelo mesmo entendimento de que o recurso pleiteado pelo prefeito Cabo Borges – que foi rejeitado por Walter Lemes – poderia permitir uma ofensa grave às regras excepcionais da Lei 13.979/2020.
Efetivada em 7 de fevereiro deste ano, essa lei trata sobre as medidas que podem ser adotadas deste ano para o enfrentamento da Emergência de Saúde Pública provocada pela Covid-19, sem ferir os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência administrativas.
Isso não seria o caso do Hospital Municipal de Alto Horizonte pois, no despacho do dia 13, o magistrado de Campinorte afirmou ser inconcebível a construção de uma obra não-emergencial em um período de crise econômica/financeira, com uma falsa justificativa da administração de Cabo Borges na situação de calamidade em saúde do novo coronavírus.