Capacitação sobre “Autismo na Escola” encerra 1ª etapa de projeto social da APAE apoiado com R$ 75 mil pela Anglo American em Niquelândia
Equipe multidisciplinar da “Ative Intervenções Comportamentais”, de Ceres, ministrou conhecimentos sobre o Transtorno de Espectro Autista/TEA para professores da entidade e das redes municipal e particular da cidade do Norte do Estado, dentro do “Projeto Cuidando de Quem Cuida”, idealizado em 2023
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Niquelândia concluiu, na última semana, a primeira das quatro etapas do “Projeto Cuidando de Quem Cuida”, inscrito pela entidade no “Edital de Projetos Sociais da Anglo American 2023”.
Para tanto – entre a manhã e a tarde da sexta-feira/13, no auditório da Associação Comercial e Industrial de Niquelândia/Acin – a entidade atualmente presidida por Merenice Braga de Almeida Castelo Branco ofertou o curso “Autismo na Escola” para professores das redes comum, privada e especial de ensino (no caso, a própria Apae) através da equipe multidisciplinar da “Ative Intervenções Comportamentais”, sediada em Ceres. [leia a entrevista completa sobre o tema com a psicológa Beatriz Costa, no final desta reportagem]
Ao todo, a mineradora destinou R$ 750 mil para 10 iniciativas para entidades de Niquelândia e de Barro Alto – onde a multinacional possui operações de exploração e beneficiamento de minério de níquel – com base nas diretrizes de seu Plano de Mineração Sustentável.
Desta vez, a Apae de Niquelândia foi comtemplada com R$ 75 mil através de rigoroso processo de seleção, realizado conforme critérios de Relevância Social previstos no edital e observados por seu Comitê de Investimentos.
“Estamos atendendo oito crianças autistas aqui na Apae, que estudam aqui e no ensino regular, com diferentes níveis de comprometimento. Nossa preocupação é atendê-las bem e, para isso, é necessário o conhecimento. Por isso, é que pensamos na realização desse curso aqui em Niquelândia nessa parceria com a Anglo American”, afirmou a ex-presidente e atual diretora da Escola Avani Ferreira Maciel, que funciona na sede da própria Apae, Porfira Moreira de Paiva Queiroz.
O QUE É O AUTISMO? – Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o “Transtorno do Espectro Autista” (TEA) é uma alteração do neurodesenvolvimento que prejudica a organização de pensamentos, sentimentos e emoções.
Caracteriza-se por dificuldade na comunicação/interação social, comportamentos e atividades atípicas – com estreita gama de interesses e atividades repetitivas – divididos em três níveis distintos de capacidade cognitiva.Ou seja, no caso, a habilidade do cérebro de processar informações, raciocinar, aprender, memorizar, resolver problemas e tomar decisões.
O termo “espectro” foi incluído no nome do transtorno em 2013, devido à diversidade de sintomas e níveis que as pessoas apresentam. Cada indivíduo com autismo tem seu próprio conjunto de manifestações.O TEA pode se manifestar de diferentes maneiras e em diferentes graus, podendo algumas pessoas viver de forma independente, enquanto outras têm deficiências graves.
Com início nos primeiros anos da infância, o TEA persiste na adolescência e vida adulta. No entanto, seus sintomas podem reduzir de modo considerável mediante tratamento.“Mais uma vez, nós só temos mesmo é que agradecer a Anglo American, pelo apoio que nos foi dado para este projeto e também para outros projetos nossos que, graças a Deus, são sempre aprovados, pelo nosso cuidado extremo com a prestação de contas dos recursos que recebemos. Esse curso nos proporcionou a oportunidade de entendermos bem como devemos receber o autista, como conviver com eles e como trabalhar com eles”, complementou Porfira, ladeada pela secretária da presidência da Apae, Janeyde Clair Nunes de Araújo Braz.
ENTREVISTA – BEATRIZ COSTA – “As crianças com autismo, que não é uma doença, podem ter um prognóstico favorável quando estão num ambiente com estimulação pertinente e saudável”, afirma psicóloga que realizou capacitação da Apae em Niquelândia
Para a capacitação idealizada pela Apae de Niquelândia com apoio da Anglo American, duas profissionais da “Ative Intervenções Comportamentais”, de Ceres, estiveram na cidade do Norte do Estado na sexta-feira/13 para ministrar o conhecimento técnico sobre o Transtorno do Espectro Autista: a terapeuta ocupacional Anna Adelaide Melo, terapeuta ocupacional graduada pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduada em Neuropsicopedagogia e Análise do Comportamento Aplicada; e a psicóloga Beatriz Costa, psicóloga-supervisora da Ative, que é mestre em Psicologia, pós-graduada em Neuropedagogia e também em Análise do Comportamento Aplicada. Ao final da atividade, Beatriz concedeu entrevista ao Portal Excelência Notícias em que abordou, com riqueza de detalhes, o extenso rol de questões que envolvem o diagnóstico do TEA e o convívio de pais e educadores com crianças portadoras desse transtorno, a saber:
Portal Excelência Notícias – De um modo geral, pais e mães ainda encontram muita dificuldade para perceber que possuem uma criança portadora do TEA, não entendendo que essa mesma criança tem um comportamento “diferente” das demais. Os educadores também enfrentam esse tipo de problema, dada a tendência de acharam que um aluno/aluna autista possa ser apenas uma criança indisciplinada, revoltadas, relapsas e desinteressadas com o conteúdo apresentado em sala de aula?
Beatriz Costa – O que a gente percebe, atualmente, é uma mudança de conceito, uma mudança cultural, realmente. Há alguns anos, nós tínhamos poucas informações tanto no ambiente escolar como no ambiente clínico, o que atrasava muito os diagnósticos. Hoje, os professores já conseguem perceber, com maior agilidade, esses sinais e sintomas da criança com atraso para que sejam iniciadas as intervenções. E, por isso, o objetivo do projeto aqui em Niquelândia foi justamente esse, de informar professores, para que consigam rastrear esses sinais e sintomas, fazendo assim o encaminhamento adequado para uma equipe multidisciplinar e, assim, minimizar realmente os eventuais prejuízos que a criança possa ter nos anos seguintes.
Excelência Notícias – Nos casos de crianças portadoras do TEA em grau 1, considerado o menos grave, que são extremamente inteligentes, porém com foco excessivo em determinado tema/assunto, isso também pode enganar e/ou confundir o professor em sala de aula sobre a existência ou não do transtorno?Beatriz – A eficiência cognitiva pode ser, sim, um fator de conflito como diagnóstico diferencial. Mas, em alguns momentos, esses sintomas são muito claros pois esse hiperfoco vem acompanhado de um comportamento repetitivo, de uma dificuldade em adesão à uma nova rotina. Então, de fato, pode haver uma confusão (dos educadores) uma vez que cada criança com TEA possui um padrão de comportamento. Nunca vamos ter uma criança com autismo igual a outra. Mas, a partir do momento que você acessa que sintomas são esses, é possível ter uma clareza maior para não se ter mais essa confusão-diagnóstica.
Excelência Notícias – Quais os principais sintomas de uma criança portadora do TEA? Conforme o caso, de acordo com os diferentes níveis de comprometimento, alguns desses sintomas podem ser mais sutis ou mais evidentes?Beatriz – Quando a gente pensa em diagnóstico de autismo, nós temos que pensar em dois grandes grupos sintomáticos, que envolvem falhas na comunicação social e a presença de comportamentos rígidos, estereotipados, marcados por rotinas e rituais que não são comuns. Podemos ter, então, falhas no contato visual, baixa responsividade (de responder quando chamado) pelo nome; comportamentos repetitivos-motores, apraxia na fala (dificuldade do cérebro para lidar com os movimentos dos lábios, da mandíbula e da língua) até uma dispraxia (falta de coordenação motora geral). Podem existir muitos sintomas mas, para que seja considerado como um diagnóstico de autismo, precisam existir pelo menos seis desses sintomas desses grandes grupos, que precisam estar presentes há pelo menos seis meses, causando realmente prejuízos funcionais e adaptativos na criança. O processo-diagnóstico é clínico e decorre muito da observação em cima desses prejuízos.
Excelência Notícias – Quais os principais pontos que a senhora trouxe, de sua experiência profissional, para abordar com os professores da Apae e demais educadores aqui em Niquelândia?Beatriz – Nós partimos daquilo que é mais prático e mais funcional para a rotina do professor como o manejo de comportamento; a identificação e rastreio dos sintomas em sala de aula para um encaminhamento mais preciso; o treino de habilidades sociais para crianças com autismo; e também o uso da comunicação alternativa em sala de aula. Além de ser uma via de comunicação mais efetiva, também serve para minimizarmos as variações de comportamento e favorecer um melhor rendimento da criança de forma geral.
Excelência Notícias – Um direito das crianças portadoras do TEA, previsto na Lei 12.764/12, é de ter o apoio de um professor-auxiliar em sala de aula. Em que situações se faz necessário ofertar esse acompanhamento?Beatriz – Quando a criança não conseguir executar, sem esse suporte aquilo que é previsto na grade curricular da escola. Ou seja, quando a criança não consegue, por exemplo, ter uma boa eficiência na execução das tarefas, seguir a rotina do horário do lanche e ir ao banheiro, por exemplo. Essa decisão (pelo apoio do professor-auxiliar) está muito pauta nisso, no quanto de suporte essa criança precisa receber para fazer essas atividades, que são básicas na rotina escolar. É por isso que é necessário, ter um olhar refinado – tanto da escola quanto dos terapeutas e dos médicos – para que as adaptações e acomodações da escola sejam funcionais para essa criança que está recebendo o professor de apoio.
Excelência Notícias – Ceres, onde fica a instituição em que a senhora atua, é uma referência do Centro Norte do Estado, em várias áreas da saúde. Porém, quanto mais para o interior, parece que ainda temos carência de profissionais habilitados ao diagnóstico do TEA, necessitando até mesmo o encaminhamento das crianças para avaliação dos profissionais do Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer) em Goiânia. Como enfrentar essa realidade, na avaliação da senhora?Beatriz – Quando você não tem disponível um profissional que é especialista em análise do comportamento, você pode procurar um profissional da área da fonoaudiologia, da terapia ocupacional; e informar, com sinceridade, quais são os sintomas da sua criança – os prejuízos e atrasos que ela tem – e verificar o que esse profissional pode te oferecer em termos de intervenção. Hoje, felizmente, conseguimos atuar praticamente em quase todas as cidades do Centro Norte Goiano, enquanto Ative, com equipes em Uruaçu e pacientes da Ative em Niquelândia, com uma representação que temos aqui, de um psicólogo que é nosso aplicador (dos testes) na cidade. Além de Uruaçu e Niquelândia, nós já temos recortes da Ative em Barro Alto, Goianésia, Crixás, Ceres, Rialma, Jaraguá, Anápolis e Goiânia. A nossa intenção é, justamente, expandir a atuação desses terapeutas especialistas em análise do comportamento justamente para que a gente não recaia nessas situações de limitação da quantidade de profissionais aqui nessa nossa região, realmente. Nós, sozinhos, não conseguimos alcançar todo mundo. A nossa ideia, enquanto educadores nesse processo terapêutico, é também instigar que as pessoas estudem (cada caso) priorizando os sintomas que cada criança tem; e não só vestindo a camisa da abordagem de uma intervenção que, muitas vezes, não sabem ao certo o que é. Eu entendo que realmente existe essa limitação (de profissionais no interior) mas que podemos acessar essas terapias de outras formas através das equipes que levam esse acompanhamento terapêutico para as cidades; e pelo pediatra que acompanha essa criança; até que os pais tenham tempo e condições de procurar um neuropediatra, futuramente, após o diagnóstico inicial.
Excelência Notícias – E os preconceitos sobre as crianças com TEA? Ainda existem em nossa sociedade?Beatriz – Muito. Ainda temos muito a caminhar, não só em relação à população mas principalmente em políticas públicas. No caso dos pais, eles passam por um processo que, em muitas vezes, de um luto realmente, de um processo de negação até entender o que é esse diagnóstico; sobre o que vão fazer com essa criança; as frustrações e as expectativas que eles tinham em relação ao desenvolvimento. Mas, quando esses pais se apropriam do que é realmente é o autismo, que estamos falando de comportamento; de que não é uma doença; e que as crianças podem ter um prognóstico favorável quando estão num ambiente com estimulação pertinente e saudável, os pais lidam com isso com mais tranquilidade. É uma criança, como qualquer outra; é um adolescente, como qualquer outro, que não está doente, não está limitado; e não tem um processo degenerativo de cognição. Então, se essa criança ou adolescente está bem estimulado em casa – e terapeuticamente falando – nós conseguimos sair desse processo de angústia dos pais.
Excelência Notícias – O que a senhora recomenda para os pais que ainda ficam nervosos diante de um comportamento não-esperado de seus filhos, sobretudo quando o diagnóstico de TEA ainda não está fechado? É necessário que façam terapia?Beatriz – Conhecimento. Os pais precisam primeiro aprender o que é autismo; ter o respaldo de uma equipe terapêutica que oriente essa família, que ensine e que planeje os manejos de comportamento, bem como uma escola que o acolha. Agora, quando você pergunta sobre terapia, eu lhe respondo que terapia é para todas as pessoas que não sabem lidar sozinhas com a própria angústia. Então, é bem vinda em todos os casos. Mas assim como nós, terapeutas, os pais também precisam ser informados e acolhidos, principalmente.