Niquelândia

‘Anônimo’ que disseminou ofensas e fofocas na internet em Niquelândia é preso pela Polícia Civil em Cezarina

Mecânico de 32 anos teve prisão temporária decretada pelo Poder Judiciário após causar celeuma nas redes sociais com posts difamatórios de cunho sexual e contra a honra de dezenas de pessoas da cidade do Norte do Estado, há cerca de um mês

O delegado Gerson José de Souza, titular da Delegacia da Polícia Civil em Niquelândia, concedeu uma entrevista coletiva à imprensa da cidade do Norte do Estado na manhã desta quarta-feira/6 para detalhar a investigação que culminou na prisão do mecânico Iury Martins Domingos dos Santos, de 32 anos, dentro da “Operação Anônimos”.

Ele foi capturado na manhã da terça-feira/5 em Cezarina – cidade de 8 mil habitantes, distante 65 quilômetros de Goiânia, onde trabalhava atualmente – em cumprimento de mandado de prisão temporária por cinco dias expedido pelo Poder Judiciário de Niquelândia, requerido pela PC durante as apurações do caso. O rapaz chegou à delegacia da cidade usando colete à prova de balas, por questões de segurança.

De acordo com a autoridade policial, Iury Martins utilizava-se da alcunha “anônimo” (que deu nome à operação de ontem) para propagar mensagens ofensivas – algumas de cunho sexual, inclusive – contra figuras públicas e pessoas em geral da sociedade niquelandense. O caso teve grande repercussão na cidade, com mais de 50 boletins de ocorrências registrados no mês passado.

A investigação revelou, segundo o delegado, que Iury criou um grupo e até mesmo uma comunidade no WhatsApp, a partir de um número de telefone registrado no Canadá, reunindo cerca de 2 mil pessoas interessadas em saber fofocas sobre a vida de terceiros.

Iury Martins, de boné branco, chegou de cabeça baixa à Delegacia da Polícia Civil de Niquelândia usando colete à prova de bala: identificação do rapaz foi revelada pela autoridade policial [Foto: Divulgação/Polícia Civil]
“Ele próprio declarou ontem, em depoimento, que estava utilizando recursos de inteligência artificial (IA) para garantir o próprio anonimato e dos demais participantes do esquema. Mas ele (Iury) se esqueceu de ocultar detalhes que a Polícia Civil não deixou passar em branco, que me deram elementos para pedir a prisão dele e também para prosseguir com as investigações. Apreendemos o celular dele, o computador dele e reunimos todas as informações que ele dispunha, para podermos agora trabalhar”, esclareceu o delegado.

Dentre as publicações vexatórias, segundo Gerson de Souza, havia vídeos íntimos com cenas de nudez explícita e fake news criminosas onde as vítimas eram tachadas de “caloteiros”, “ladrões” e “cornos”, dentre outros “adjetivos” impublicáveis que a própria autoridade policial se absteve de comentar.

Para Gerson de Souza, o caso em si envolvendo Iury Martins pode ser enquadrado como sendo de ‘psicopatia branda’ pelo prazer que desperta na pessoa pelo simples fato de provocar sofrimento alheio.

“Pelo o que ele me disse, não ganhou um centavo com isso. Trata-se de um rapaz extremamente inteligente, educado, de boa conversa, mas que é mau em sua essência”, destacou o delegado. Iury Martins já respondeu processo judicial anteriormente por violência doméstica com base na Lei Maria da Penha, informou Gerson.

Segundo o delegado de Niquelândia, a existência desses grupos de fofoca são uma prática recorrente no município há vários anos.  Porém, como a punição ainda é irrisória, a Polícia Civil sempre tratou esses casos como crimes de injúria, calúnia e difamação, considerados como sendo de menor potencial ofensivo pelo Código Penal Brasileiro.

Notebook, celular e outros objetos foram apreendidos pela Polícia Civil em Niquelândia no momento de sua prisão em Cezarina [Foto: Divulgação/Polícia Civil]
“Mas, no caso desse canal ‘Anônimo’, houve uma evolução dessa prática delituosa, que alcançou outras figuras penais. Ele (Iury) não trabalhou sozinho e, por isso, formou-se então uma associação criminosa. Como ele publicou fotos íntimas, sem autorização da pessoa fotografada, acabou praticando crime capitulado como grave. Além disso, os crimes contra a honra foram praticados abusivamente e repetidamente, contra diversas pessoas que foram citadas de forma escabrosa nesse grupo, simplesmente pelo prazer de assassinar reputações”, afirmou o delegado.

De acordo com Gerson de Souza, a audácia de Iury Martins era tamanha que, mesmo diante da ação individual de uma pessoa prejudicada com as ofensas – que conseguiu ‘derrubar’ o funcionamento do primeiro grupo do “anônimo” – o rapaz agora preso conseguiu criar uma nova “comunidade” difamatória no WhatsApp reunindo grande número pessoas pela segunda vez em apenas 24 horas.

“O povo, em si, gosta de uma fofoca. Essa ‘massa de desinformados’ é que, justamente, cria a ‘fama’ desses grupos e garante esse tipo de ‘popularidade’ para essas pessoas. Porém, as pessoas não sabem que estão correndo riscos também de serem enquadradas como partícipes e coautores desses crimes. Hoje, felizmente, temos na Polícia Civil em Niquelândia uma equipe de investigação multidisciplinar com uma pessoa com formação anterior na área de informática, para nos ajudar”, advertiu o delegado de Niquelândia.

CASO GRAVE – “Crimes contra a honra foram praticados abusivamente e repetidamente, contra diversas pessoas que foram citadas de forma escabrosa nesse grupo, simplesmente pelo prazer de assassinar reputações”, afirmou o delegado Gerson de Souza [Foto: Excelência Notícias]

CHIP DE TELEFONE FURTADO FACILITOU AÇÃO– Segundo a a autoridade policial, as investigações sobre o “anônimo” revelaram que, em agosto do ano passado, uma cliente de determinada sorveteria de Niquelândia esqueceu seu telefone celular no estabelecimento e foi para casa. Ao retornar, não encontrou mais o aparelho.

Porém, as investigações da Polícia Civil atestaram que uma atendente da sorveteria apropriou-se indevidamente do telefone da cliente, que estava bloqueado. De acordo com o delegado, o ex-marido dessa atendente seria um hacker que conseguiu desbloquear o aparelho e colocou um outro chip para uso normal do telefone.

“Porém, esse indivíduo ficou com o chip original do telefone, que ele utilizou para entrar no grupo ‘Fofocalizando’, de onde ele migrou para o ‘Anônimo’, que se tornou um grupo e depois um canal. Esse indivíduo era exatamente o Iury. Todas as mensagens divulgadas passaram pelo telefone dele que nos entregou o aparelho desbloqueado, ontem, de forma voluntária. Ele nos disse que entrou nisso por farra, por brincadeira; e tinha certeza de que estava totalmente protegido pelos recursos de inteligência artificial. Eram tantas mensagens que ele, inclusive, publicava sem ler antes”, detalhou o delegado de Niquelândia.

CRÍTICAS AO CONGRESSO NACIONAL – O titular da Delegacia da Polícia Civil de Niquelândia aproveitou a repercussão do caso do “anônimo” para cobrar, do Congresso Nacional, uma alteração no Código Penal Brasileiro, de 1940, cujos dispositivos que versam sobre os crimes de injúria, calúnia e difamação ainda não foram adaptados à rápida disseminação de ofensas oriundas da popularização da internet no País.

“Os crimes contra a honra de 1940 não são os mesmos de hoje, porém as penas continuam sendo as mesmas. Depois da internet, esses crimes foram potencializados mil vezes, mas as pessoas ainda respondem judicialmente através de um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), fazem um acordo, pagam um determinado valor como transação penal e acabam sendo liberadas para seguir a vida. Eu acho que isso, hoje, é muito pouco. Antigamente, a ofensa era apenas de boca-a-boca, com uma certa dimensão. Hoje, quando você publica uma fake-news desonrosa contra uma pessoa, essa ofensa alcança o mundo. Essa pena tem que ser proporcional. Até hoje, não sei porque o Congresso Nacional defende vigiar e censurar a imprensa mas nunca manifestou vontade política em identificar as pessoas que atuam na ‘surdina’ da internet e aumentar as penas dos crimes contra a honra”, afirmou o delegado Gerson de Souza.

VIROU MEME – Ilustração que circulou ontem nas redes sociais mostra ‘anônimo’ atrás das grades em Niquelândia: piada pronta como forma de expressar alívio pelo sucesso da investigação da Polícia Civil [Foto: Reprodução/Internet]

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