Campeãs em desmatamento, propriedades privadas reúnem mais da metade da área total do Cerrado nativo
Concentração do bioma nessas propriedades preocupa Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) que atua também no Cerrado.
De todo o Cerrado ainda nativo existente no Brasil, 62% estão em propriedades privadas, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) que atua também no Cerrado.
Como o Código Florestal permite ao dono da terra desmatar até 80% do Cerrado, essa concentração da vegetação nativa do bioma em terras privadas tem preocupado ambientalistas.
Dados de satélite analisados pelo MapBiomas mostram que 85% do desmatamento do Cerrado de 1985 a 2022 ocorreram em terras privadas. Atualmente, estima-se que o bioma tenha apenas 48% da sua vegetação nativa original.
Além disso, o avanço do agronegócio principalmente nos estados do Tocantins, da Bahia, do Maranhão e do Piauí indicam que o desmatamento deve seguir alto no Cerrado.
Nesses estados, as áreas de pecuária e agricultura cresceram 252% e 2.199%, respectivamente, entre 1985 e 2022, ainda segundo o MapBiomas.
Como apenas 12% do Cerrado nativo estão em unidades de conservação e terras indígenas, teme-se que os proprietários privados usem seu direito de desmatar e acabem com a maior parte do bioma nativo que ainda resta.
Outros 13% do Cerrado nativo foram identificados como “vazios fundiários”, que são áreas sem informação disponível.
Esses dados foram sistematizados pelo Ipam a partir do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
A diretora de Ciência do Ipam e coordenadora do MapBiomas Cerrado, Ane Alencar, destacou que é preocupante que a vegetação nativa do bioma esteja tão concentrada em terras privadas devido ao baixo nível de proteção legal do Cerrado.
“Entretanto, o mercado tem sido cada vez mais cobrado por uma produção livre de desmatamento e com menor impacto ambiental. Essa cobrança pode ser aliada importante para reduzir a pressão sobre os remanescentes (de Cerrado Nativo) dentro de imóveis rurais”, ponderou.
Para a especialista, o papel do Poder Público é o de fiscalizar o cumprimento das regras, além de melhorar os procedimentos para autorização do desmatamento, seja federal, estadual ou municipal, “aumentando a transparência e governança sobre essas autorizações e evitando que pessoas acabem desmatando de qualquer jeito”.
VIDA E ECONOMIA – O diretor executivo do Instituto Cerrados, Yuri Salmona, alertou que a mudança na legislação para proteger mais o bioma é essencial não apenas para o meio ambiente, mas para a manutenção da vida humana e da atividade econômica do Brasil.
“Deveria ser uma agenda encabeçada por muitos ministérios e não só o do Meio Ambiente. O Ministério da Fazenda e demais ministérios que lidam com planejamento deveriam estar empenhados em garantir que o principal insumo da economia brasileira, que é a água, seja mantido e, para isso, é preciso manter o Cerrado”, afirmou.
O bioma é considerado o berço das águas por ser a origem de oito das 12 principais bacias hidrográficas do Brasil.
Salmona lembrou das crises hídricas dos últimos anos que chegaram a prejudicar a produção energética e o abastecimento de cidades como São Paulo e Brasília.
“Precisamos de muito mais de 20% de vegetação nativa protegida em cada propriedade rural. No entanto, o ambiente político não é tão favorável assim para uma mudança. Mas esse enfretamento político tem custo muito menor do que o da falta d’água, que já é sentida. Tivemos redução média de 15,4% na vazão dos rios no Cerrado entre 1985 e 2022”, disse.
Na última quinta-feira (14), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendeu o desmatamento zero no Cerrado. Um estudo da Universidade de Brasília (UnB) mostra que o bioma perde vegetação nativa cinco vezes mais rápido que a Amazônia. [Informações da Agência Brasil/EBC, em Brasília]