Exigência da Anac obrigou derrubada de casa pelo Governo do Estado em área invadida do Aeroporto de Niquelândia
Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (Goinfra), através de seu Comitê de Gerenciamento de Crise dos Aeródromos de Goiás, também isentou a Prefeitura de Niquelândia de qualquer responsabilidade sobre o fato, que foi explorado politicamente em desfavor do Poder Executivo em dois vídeos divulgados nas redes sociais
Parte integrante de um gigantesco pacote de obras de readequação operacional e de segurança aeroviária em todo o Estado – exigido pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) junto ao Governo de Goiás – o Aeroporto de Niquelândia tornou-se o epicentro de uma polêmica com forte viés político-eleitoral nos últimos dias na cidade, após a divulgação de dois vídeos de conteúdos fantasiosos em redes sociais.
Como se sabe, na semana passada, funcionários da área de serviços gerais da Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (a Goinfra, que é uma autarquia do governo estadual) realizaram a demolição de uma casa simples que estava sendo construída de forma irregular bem próxima do portão principal e do acesso de pedestres do aeroporto da cidade, a cinco quilômetros da área urbana de Niquelândia.
Em vistoria preliminar de caráter técnico no Aeroporto de Niquelândia, a Anac vislumbrou a ocorrência de crime de invasão de área pública, que estaria sendo cometido por uma mulher identificada apenas pelo primeiro nome, Nair, de 54 anos.
Essa mulher seria a “dona” de tal moradia, que ainda estava sem telhado e sem reboco nas paredes. Por conta desse entrave aos serviços de melhoria da atual condição de abandono do Aeroporto de Niquelândia, a Anac exigiu a intervenção da Goinfra para a derrubada da casa. O trabalho foi feito com respaldo da Polícia Militar (PM) da cidade do Norte do Estado.
O coordenador-geral do Comitê de Gerenciamento de Crise dos Aeródromos de Goiás, Paulo Lemes, conversou por telefone com o Portal Excelência Notícias na tarde da quarta-feira (10), quando detalhou que a Goinfra fez um levantamento prévio para verificar os principais problemas que existiam no Aeroporto de Niquelândia. [No primeiro vídeo, abaixo, funcionário da Goinfra detalha ações de limpeza na área, o que incluiu corte de mato e retiradas de cercas de proteção, também instaladas irregularmente pela mulher]
“O esbulho possessório [termo jurídico que designa ‘invasão’] não é uma exclusividade de Niquelândia, dificuldades esses que já enfrentamos em outros aeroportos do Estado. Além de estarmos falando de uma área pública, do patrimônio público, o funcionamento de um aeroporto também envolve questões de segurança operacional, de tal forma que invasões desse tipo podem, inclusive, ser enquadradas criminalmente pela Lei de Enfrentamento ao Terrorismo”, afirmou Lemes.
Questionado se a Goinfra requereu medida judicial de reintegração de posse e demolição do casebre junto ao Poder Judiciário, o representante do governo estadual respondeu ao Excelência Notícias fazendo uma indagação.
“Se o senhor construir uma casa na principal praça de Niquelândia – ou dentro da Feira Coberta do município – que são áreas públicas – a prefeitura precisa de ordem da Justiça para derrubar? A questão do Estado, em relação ao aeroporto, é a mesma”, comparou o representante do governo estadual.
“O perímetro de um aeroporto é cercado de cuidados; e precisa ser o mais fechado e protegido possível, para evitar a entrada de transeuntes e de pessoas estranhas à sua operação”, complementou Paulo Lemes.
O coordenador-geral do Comitê de Gerenciamento de Crise dos Aeródromos de Goiás também foi categórico em dizer que desconhece por completo as circunstâncias locais sobre a forma como se deu a ocupação da área pela mulher de prenome Nair; e a posterior construção da casa que foi demolida.
“Também não sei de quem se trata essa pessoa [Nair]; e nem mesmo se essa mulher possui ou não vinculação política com alguém da cidade, enfim. Nós [do comitê] trabalhamos apenas e tão somente em conformidade com as exigências da Anac”, completou ele.
De acordo com Lemes, para que o Aeroporto de Niquelândia permaneça na atual condição de aberto ao tráfego aéreo – já que a pista estava fechada até o último mês de maio – houve autorização pelo organismo federal para sua reabertura em caráter provisório.
“Todavia, assumimos o compromisso de fazermos a reforma completa desse terminal. Contamos, em parte, com o apoio da Prefeitura de Niquelândia apenas para pequenos detalhes desses procedimentos. Para o balizamento noturno, não basta apenas trocarmos uma lâmpada e ativar o sistema, mas sim da homologação da Anac, através de estudos sobre a segurança de voo. E o Aeroporto de Niquelândia possui uma pista inclinada; está em cima de uma serra; e sua área de aproximação está cercada por uma mata”, comentou o coordenador-geral do comitê de gerenciamento de crise dos aeroportos em Goiás.Para tanto, informou Lemes, há também a necessidade de que o Aeroporto de Niquelândia receba adequações na Casa do Guarda-Campo [ou seja, a colocação de vigias à conservação do patrimônio público]; que possua um operador aéreo-portuário trabalhando no local [para as operações de decolagem e aterrisagem] conforme a legislação vigente da Anac, dentre outras melhorias estruturais.
O comitê sob responsabilidade de Paulo Lemes é um braço de atuação da Goinfra, na gestão do governador Ronaldo Caiado (DEM). Na entrevista, Lemes detalhou que um total de 29 aeroportos em cidades de todas as regiões do Estado estão em situação operacional bastante precária.
Tais problemas nos aeródromos goianos – sempre de acordo com o coordenador do comitê de crise – acentuaram-se drasticamente a partir de abril de 2013.
Há sete anos, a Secretaria de Aviação Civil – que é um órgão da Anac – firmou convênio com o Estado para delegar à extinta Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinfra) a responsabilidade pelos serviços de exploração, manutenção e conservação de vários aeroportos no interior do Estado, dentre eles o de Niquelândia. [No segundo vídeo, abaixo, detalhamento situação de destruição da Casa do Guarda-Campo, que já está sendo reformada pela Prefeitura de Niquelândia atendendo pedido da Goinfra]
“São casos em que os aeroportos não têm funcionários; estão sem água; sem energia elétrica; e sem condições mínimas de segurança para receber aeronaves de qualquer natureza, como a falta de balizamento noturno. Ou seja, sem a manutenção básica. O que nós queremos fazer é que esses 29 aeroportos, inclusive o de Niquelândia, possam funcionar com condições operacionais minimamente necessárias. Esses municípios, infelizmente, perderam esse direito pelo sucateamento decorrente de más-gestões anteriores no governo estadual”, criticou Paulo Lemes.
O coordenador também confirmou informação dada horas antes ao Excelência Notícias pelos secretários municipais de Niquelândia, Wendel Vitor de Morais (Urbanismo) e Geriana Joaquim da Silva (Governo), de que o Terminal de Passageiros do aeroporto da cidade – uma acanhada sala de espera, com dois banheiros, sem outras benfeitorias – possivelmente estava sendo ocupado como moradia provisória por Nair durante a construção da casa que foi demolida.
“Aparentemente, sim. Quando vistoriamos [o aeroporto] havia esses indícios – e nós sempre tivemos a cautela de fazer fotos – mas não encontramos pessoas habitando esse local [a sala de embarque e desembarque] que, por algum momento, estariam tentando fazer uso daquele espaço”, comentou Paulo Lemes.
O QUE DISSE A PREFEITURA – De acordo com o secretário de Urbanismo de Niquelândia – tão logo houve a assinatura de um Termo de Cooperação entre o Poder Executivo e Goinfra para que o aeroporto ganhe melhor estrutura – a prefeitura deu início às obras de reforma do imóvel-sede da Casa do Guarda Campo, como parte da pequena ajuda solicitada pelo Estado.Essa construção – bastante antiga, com pintura verde bastante desbotada pela ação do tempo – estava sem a presença de um vigia em caráter permanente desde o final de 2016, quando houve a exoneração de um servidor em cargo comissionado destinado à função.
Em meados de 2017, essa Casa do Guarda-Campo teria sido invadida para fins de moradia – justamente pela mulher de prenome Nair – de acordo com o secretário de Urbanismo, que é titular da pasta até os dias atuais.
Como o imóvel deteriorou-se demais nos últimos três anos, Nair teria iniciado recentemente a construção da casa que foi derrubada pela Goinfra, se instalando por último de forma provisória no imóvel que abriga o Terminal de Passageiros.
Ou seja, a mulher teria cometido três invasões distintas nos últimos três anos, na área pública do Aeroporto de Niquelândia, operada pelo Governo do Estado por delegação da Anac.
No Termo de Cooperação firmado pelo município com a Goinfra, segundo Wendel Vitor, a prefeitura assumiu a responsabilidade pela reforma da Casa do Guarda-Campo. O serviço foi iniciado pela retirada do telhado da casa, para a troca completa do madeiramento.
Depois de pronta, a Casa do Guarda-Campo será habitada futuramente por um funcionário do município por exigências exclusivas da Anac e da Goinfra – que a prefeitura não pode intervir – relatou o secretário de Urbanismo.
Para tanto, servidores da Secretaria Municipal de Urbanismo, devidamente uniformizados, foram de fato até o aeroporto para começar a obra na antiga casa verde.
Foi exatamente a partir dessa conjuntura que Tatiane Nunes do Santos – filha de Nair – gravou um vídeo de sete minutos, onde quis responsabilizar a Prefeitura de Niquelândia pela demolição da casa que estava sendo erguida por sua mãe.Depois, num segundo vídeo, um político da cidade valeu-se do delicado episódio da desocupação/derrubada da casa pela Goinfra – “fraternalmente” abraçado com Nair – onde se mostrou supostamente indignado com o ocorrido, diante da proximidade das eleições municipais.
“Estamos apenas ajudando a Goinfra para a obra de revitalização do aeroporto. Nós, realmente, estivemos lá para o início da reforma da Casa do Guarda-Campo, que é o trabalho da prefeitura; e não para demolir nada, conforme foi dito de maneira equivocada nesses dois vídeos. Esse trabalho foi feito pelo Estado”, afirmou o secretário de Urbanismo de Niquelândia.
A exemplo do que afirmou o coordenador de gestão de crise dos aeroportos de Goiás, a secretária de Governo – que é advogada – disse que realmente não havia necessidade da Goinfra requerer ordem judicial à demolição da casa em construção.Segundo Geriana Joaquim da Silva, o entendimento jurídico é que a senhora de prenome Nair não estava legalmente na posse do terreno – ou seja, não possuía algum recibo/documento para ela pudesse reverter a situação; e tivesse a construção preservada.
Ainda de acordo com a titular da pasta, não houve meios legais para que a Secretaria Municipal de Assistência Social – comandada pela primeira-dama, Juliana Campos – ofertasse alguma medida emergencial de apoio ao drama de Nair por força da demolição do imóvel.
No dia em que isso ocorreu, detalhou Geriana, os funcionários da Goinfra localizaram uma outra casa, a 500 metros do aeroporto, onde seria residência do namorado da mulher que teve a construção derrubada.
Pelo entendimento de que Nair teria onde se abrigar provisoriamente, informou a secretária de Governo, a mulher não poderia ser considerada uma pessoa sem-teto que, em caráter provisório, justificasse que fosse acomodada em alguma casa popular que estivesse eventualmente desocupada no Residencial Renascer, ao lado do Cemitério Municipal São José.