“Bússola que direciona administração está avariada”, afirma MP em ação para barrar ‘Temporada de Férias’ de Valmir Pedro
Daniela Haun de Araújo Serafim, promotora Ministério Público em Uruaçu, acionou prefeito tucano para que Executivo, mergulhado em dívidas, cancele evento estimado em R$ 1,2 milhão: caos administrativo e financeiro pode inviabilizar contas públicas da municipalidade por vários anos
O Ministério Público (MP) de Uruaçu, na pessoa da promotora Daniela Haun de Araújo Serafim, ingressou com ação cível pública junto ao Poder Judiciário em desfavor do prefeito Valmir Pedro (PSDB) para que a prefeitura da cidade do Norte do Estado cancele todos os contratos e pagamentos previstos à realização do evento intitulado “Temporada de Férias 2019”.
Marcada para ter início no próximo dia 23 com orçamento estipulado em R$ 1.202.499,00 pela Prefeitura de Uruaçu, prevê-se que a série de shows com vários artistas de renome nacional será bancada exclusivamente com recursos públicos.
Na ação de 29 páginas – na qual o Portal Excelência Notícias debruçou-se entre a tarde e a noite desta terça-feira (9) – a representante do MP em Uruaçu faz diversos apontamentos que indicam a existência de um verdadeiro caos administrativo e financeiro na prefeitura sob a gestão do tucano, eleito com 8.632 votos na eleição municipal de 2016 após pregar um discurso supostamente moralizador nos rumos do Executivo local.
No pedido feito pela promotora Daniela Serafim à Justiça, até que todas as pendências anteriores da Prefeitura de Uruaçu sejam quitadas por Valmir, o chefe do Executivo poderá também ser proibido de realizar eventos relacionados a shows artísticos e festas populares, sob pena de multa pessoal de R$ 10 mil por cada dia de descumprimento.
“É imprescindível que o orçamento seja contingenciado, de acordo com as regras e os parâmetros legais, inclusive observando as prioridades de investimento nas áreas mais sensíveis à população”, atestou a promotora de Justiça.
DÍVIDA-MONSTRO COM O URUAÇU-PREV – Segundo o MP, a maior dívida da prefeitura em valores nominais – R$ 5.778.201,76 (estimativa até o dia 19 de junho) – é com o Fundo de Previdência do Município de Uruaçu (Uruaçu-Prev), que serve à garantia do pagamento de aposentadorias aos servidores públicos da cidade. O montante, de acordo com a promotora, é alvo de questionamento em ação proposta em junho deste ano.
Instituído em 2009 na gestão do então prefeito Lourenço Pereira Filho/Lourencinho, o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) é alvo de seguidas polêmicas desde então, quando substituiu o tradicional Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Até então, a Prefeitura de Uruaçu repassava, diretamente ao INSS, as deduções feitas nos salários de seus empregados. Em função desses problemas com o Uruaçu-Prev na gestão de Valmir Pedro, houve recente bloqueio de R$ 900 mil nas contas da municipalidade o que, segundo a promotora, serve como outro agravante à não-realização da Temporada de Férias.
“Nesse cenário de implementação de despesas com a realização de eventos festivos, a Administração Pública de Uruaçu vem sofrendo estridente falta de credibilidade em razão da prática irresponsável – ao sabor de ingerências políticas estranhas ao interesse público – uma vez que vem tomando decisões orçamentárias em desproporcionalidade com as necessidades básicas dos cidadãos”, afirmou a promotora, num dos trechos de suas argumentações.
‘ARRAIÁ DO BETINHO’, OUTRA FONTE DE DÍVIDAS – Segundo o MP de Uruaçu, sob o argumento de que é necessário garantir eventos culturais aos 40 mil moradores do município, o prefeito Valmir Pedro insiste em realizar a “Temporada de Férias” com gasto previsto de R$ 1,2 milhão.
Porém, na ação que propôs ao Judiciário, a promotora Daniela Serafim aponta que a gestão tucana não pagou, no prazo previsto em contrato, a despesa de R$ 293.084,00 com a festa intitulada “Arraiá do Betinho 2019”. Somente o show do cantor Léo Magalhães, aponta o MP, teria custado a ‘bagatela’ de R$ 170 mil à Prefeitura de Uruaçu.
BÚSSOLA COM DEFEITO – “Essa postura da Administração Pública revela que a bússola que a direciona está avariada, por suas escolhas estarem em total descompasso com a realidade financeira do município. Por isso, é essencial, para toda a atividade administrativa, que o Poder Público recupere sua credibilidade pois, sem a confiança de terceiros, será muito difícil que a administração passe a celebrar contratos efetivamente vantajosos ou mesmo com preços compatíveis com os do mercado”, contextualizou a promotora Daniela Serafim, na ação cível pública.
A promotora também deixa transparecer a impressão de que Valmir se apropriou do Arraiá do Betinho como se o mesmo fosse parte integrante de sua gestão, pelo fato que essa festa era notadamente conhecida há muito tempo em Uruaçu por sua finalidade social: arrecadar verbas às necessidades do Centro de Atendimento Educacional Especializado (CAAE) Herbert José de Souza, o Betinho.
Mas a diretora Marlúcia Correia Teles, ouvida recentemente pelo MP, informou que a escola recebeu apenas R$ 10 mil da Prefeitura de Uruaçu em 2019 após a realização do ‘Arraiá do Betinho’.
Ou seja, um valor não muito superior ao que era arrecadado pelo CAAE Betinho quando o evento era verdadeiramente beneficente, realizado pela comunidade local.
Fora isso, as dívidas não-quitadas pela Prefeitura de Uruaçu com o Arraiá do Betinho do ano passado, segundo o MP, chegam a R$ 56.398,00 neste ano, como fruto de empenhos cancelados e não-pagos no prazo legal.
“A administração não deve agir na sombra, na surdina, escondendo os problemas econômicos e financeiros e tomando medidas que, apesar de usuais, representam fraude à legislação”, exemplificou a promotora de Justiça.
CARNAVAL 2018 TAMBÉM EM ABERTO – O Carnaval de 2018, realizado por Valmir Pedro apenas na Praia da Generosa/Lago Serra da Mesa, é outra fonte de dívidas da Prefeitura de Uruaçu: sempre de acordo com o MP, o prefeito tucano pagou apenas R$ 10.000,00 de uma despesa total de R$ 108.950,00 pela festa realizada entre os dias 9 e 13 de maio do ano passado.
DÍVIDAS DE MAIS R$ 700 MIL COM PRECATÓRIOS – Na ação em que pede o cancelamento da “Temporada de Férias 2019”, o MP também relata que a Prefeitura de Uruaçu possui dívida total de R$ 717.072,22 em pagamentos na forma de precatórios em aberto para o Orçamento 2019, em duas parcelas (de R$ 39.219.08 e de R$ 677.853,13) referentes ao Exercício de 2018.
SALÁRIOS DE CONTRATADOS EM ATRASO – A promotora de Justiça apontou que, conforme memorando fornecido pela Procuradoria do Município após consulta ao Departamento de Gestão da Prefeitura de Uruaçu, ficou constatado que o prefeito Valmir Pedro não conseguiu honrar com o 13º salário e com o mês de maio/19 dos servidores contratados. “Restando, mais uma vez evidente, que o orçamento público vem se arrastando em débitos que o município não consegue arcar”, disse a representante do MP.
AINDA ASSIM, R$ 12 MILHÕES PARA ASFALTO – Outra preocupação demonstrada pela promotora do MP em Uruaçu recai sobre o projeto de lei que Valmir Pedro encaminhou ao Poder Legislativo em que pede autorização dos vereadores para contrair um empréstimo de R$ 12 milhões junto à Caixa Econômica Federal para obras de pavimentação e recapeamento em ruas e avenidas de vários bairros do município.
“Mesmo diante dessa situação de crise, o município demonstra que não possui recursos financeiros e continua a aumentar seus débitos, que se prolongarão por muitos anos e se acumularão aos já existentes. Da mesma forma os órgãos de controle (caso do Tribunal de Contas do Municipios/TCM) não podem se omitir diante dessa prática, devendo reconhecer a sua gravidade e os efeitos deletérios causados em cascata a todos os interesses essenciais da população, buscando coibir o desastre financeiro das contas públicas”, afirmou a promotora. Para ela, o município se encontra em irrefutável estado de penúria.
VALMIR DISSE QUE VAI RECORRER, MAS ADMITE DÉFICIT – “Em Goianésia já são três anos seguintes que o Ministério Público recomenda a não-realização do carnaval, mas a prefeitura de lá recorreu e conseguiu reverter esse pedido. Aqui (em Uruaçu) nós vamos fazer o mesmo (recorrer, para manter a Temporada de Férias). Não existe, no Brasil, um município no que não tenha déficit público. Nós (a administração) tomamos o cuidado de não gastar com o carnaval, economizar e assim fazer a Temporada de Férias, enquanto outros municípios em situação bem mais delicada financeiramente que a nossa fizeram o carnaval, caso de Niquelândia, por exemplo”, afirmou o prefeito de Uruaçu, em resposta por Whats App ao Excelência Notícias no início da tarde desta terça-feira (9).
O pedido de liminar contra a realização da ‘Temporada de Férias 2019” foi formalizado pelo MP ao Judiciário de Uruaçu na terça-feira da semana passada, dia 2, mas o fato se tornou público apenas nesta semana, com grande repercussão nas redes sociais e grupos de WhatsApp da cidade.