Embate entre MP e Poder Executivo sobre contrato da coleta de lixo marca o Dia Mundial do Meio Ambiente
Fernando Carneiro/PSD e o advogado Fernando Cavalcante de Melo deram entrevista às rádios da cidade, no início da tarde desta quarta-feira/5: duas horas depois, promotora Nathalia Portugal recebeu toda a imprensa da cidade na sede do Ministério Público: mesmo após 36 dias, solução do problema ainda se mostra difícil
Passados 36 dias da interrupção da coleta de lixo e limpeza pública em Niquelândia, até então prestado pela empresa Servflora Serviços Florestais, o Poder Executivo e o Ministério Público (MP) da cidade do Norte do Estado continuam divergindo sobre a legalidade/ilegalidade do contrato firmado pela prefeitura com a empresa.
Fora isso, ainda não há um consenso sobre os mecanismos jurídicos necessários à retomada do serviço, seja através da própria Servflora ou por outra prestadora que se mostre devidamente apta ao trabalho.
O “desencontro” entre a administração do prefeito Fernando Carneiro (PSD) com a promotora Natália Botelho Portugal ficou evidente nesta quarta-feira (5) – justamente no Dia Mundial do Meio Ambiente – quando ambas as autoridades concederam entrevistas distintas sobre o assunto.
No início da tarde – em cadeia de rádio pela duas principais emissoras da cidade (Mantiqueira 92,3 FM e 104,7 FM) – o chefe do Executivo e o advogado Fernando Cavalcante de Melo, um dos assessores jurídicos da prefeitura, invocaram que a gestão do atual prefeito realizou somente duas dispensas de licitação à contratação emergencial da Servflora (o que estaria dentro da legalidade, segundo o município).
Fora isso, sempre de acordo com a municipalidade, o pagamento mensal de R$ 332.071,30 à empresa (entre janeiro e junho deste ano, totalizando R$ 1.992.427,92) não se encontraria superfaturado em função do extenso rol de serviços celebrados no contrato suspenso em 30 de abril (coleta/transporte de resíduos sólidos residenciais e comerciais; varrição de vias e logradouros; e limpeza de praças/canteiros centrais/laterais de vias públicas).
Fernando Cavalcante também argumentou que, no bojo da Ação Cível Pública proposta pelo MP, o direito do Poder Executivo se manifestar no processo não teria sido respeitado quando o Judiciário decidiu pela suspensão, mediante concessão da medida liminar.CERCEAMENTO – “A discordância jurídica da administração, em relação a esse pedido feito pelo MP, decorre de dois motivos básicos: a Lei Cível Pública e o Código de Processo Civil diz que pedidos de urgência que envolvam liminares (decisões precárias, dadas em início de processos judiciais) em desfavor da Fazenda Pública (a prefeitura) se faz necessário ouvir o município, num prazo de 72 horas. Isso para garantir o sagrado direito que todos nós temos – e no caso de uma prefeitura, isso não é diferente – de podermos nos defender. E uma decisão liminar pode causar um estrago muito grande na vida das pessoas. E o exemplo está aí, como fruto da concessão dessa liminar sem que o município pudesse se defender; e também para que o juiz tomasse uma decisão mais segura; e isso agora está causando um enorme transtorno ao povo de Niquelândia, não apenas pela ausência da coleta em si, mas pelo fato que essa ausência do serviço também está se tornando um problema de Saúde Pública”, comentou o advogado Fernando Cavalcante, na entrevista coletiva às rádios.
O representante do Departamento Jurídico do município também argumentou que, dentre a abertura e a conclusão de um processo licitatório complexo – caso da limpeza pública da cidade – é necessário um prazo entre 60 e 90 dias à elaboração do conteúdo do edital, sob critérios técnicos estabelecidos pela engenharia da Secretaria Municipal de Urbanismo; e outro prazo semelhante à análise das documentações protocoladas pelas empresas interessadas, totalizando um prazo de seis meses no mínimo para tudo ser resolvido.
“E é justamente por isso que a Lei de Licitações prevê essa contratação emergencial pelas dispensas”, completou ele. Segundo o advogado e o prefeito Fernando Carneiro, o caminho natural à normalização temporária da coleta será a contratação emergencial de alguma empresa (inclusive a própria Servflora, se for o caso) por um prazo máximo de até 90 dias no decorrer da próxima semana, até que a licitação possa ser concluída com a vitória de alguma prestadora (inclusive a própria Servflora, também se for o caso, pois o direito da empresa participar precisa ser respeitado.)
MP REBATE – Um pouco mais tarde, por volta das 14h30, todos os meios de comunicação de Niquelândia fizeram lives (transmissão ao vivo) pelo Facebook (dentre eles o Portal Excelência Notícias) na sede do MP, da entrevista coletiva requerida pela Promotoria de Justiça, ainda na parte da manhã.
DUAS NÃO, MAS SIM TRÊS – O entendimento do MP, que resultou nesse imbróglio todo, é que a Prefeitura de Niquelândia realizou três contratações consecutivas da Servflora mediante dispensa de licitação (e sem justificativa plausível em desrespeito à Lei 8.666/93) sendo que a primeira dispensa ocorreu no curto período em que o vereador Léo Ferreira (PSB) foi prefeito interino da cidade, no ano passado.
De acordo com a promotora, o contrato emergencial celebrado por Léo quando chefiou o Executivo foi de R$ 636.000,00 por três meses (R$ 212.000,00/mês) na contratação da Servflora.
Dessa maneira, sempre de acordo com a representante do MP, o acréscimo de R$ 120.071,32/mês ao contrato da Servflora quando Fernando Carneiro se tornou prefeito teria, ao menos em tese, sido superfaturado em 50% tão logo a atual gestão assumiu o município, há cerca de um ano já na segunda contratação emergencial da Servflora; e que o valor permaneceu o mesmo também na terceira contratação supostamente ilegal.
Para o município, porém, Nathalia Portugal não teria observado corretamente o objeto (rol de serviços) de ambos os contratos, já que Léo Ferreira teria firmado uma contratação com um número menor de itens, sabedor que sua permanência como prefeito seria breve.
Na conversa com a imprensa, a promotora estava visivelmente irritada com o que ela considera “desrespeito da administração pública com a população e com o próprio Poder Judiciário” pelo fato da Prefeitura de Niquelândia ter supostamente negligenciado duas decisões judiciais posteriores à suspensão da coleta do lixo, que arbitraram multas diárias de R$ 1.000,00 (de início) e de R$ 10.000,00 (posteriormente) se o Executivo não regularizasse a coleta, mesmo diante do impedimento legal imposto à continuidade do contrato com a ServFlora.
Nathalia Portugal também afirmou que a celebração de um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) entre o MP, Prefeitura de Niquelândia e Servflora para que a empresa terminasse a prestação do serviço acabou sendo descartado porque o contrato vencerá no final do mês; e que isso possivelmente implicaria na renovação do próprio TAC sem que o município tomasse uma providência definitiva para formalizar a contratação formal de uma prestadora mediante licitação.A representante do MP também confirmou que ela própria sugeriu na segunda-feira – em reunião com o prefeito e representantes do Poder Executivo – que a contratação emergencial de uma nova empresa seja feita por 90 dias “desde que a justificativa seja bem elaborada”, onde fique explicitamente claro que o município não possui caminhões-coletores de lixo em número suficiente; e que os funcionários concursados como garis já são idosos; mas não apenas sob o argumento simplista de que há acúmulo de lixo na cidade.
Ela também rechaçou a tese que a abertura desse diálogo representaria um suposto recuo do MP na sua pessoa, diante das queixas da população de Niquelândia com o impasse.
De acordo com a promotora – embora ela não tenha por obrigação legal fazer nenhum tipo de “aconselhamento jurídico” ao Poder Executivo – o MP precisa garantir à população que o direito de acesso aos serviços públicos seja efetivamente respeitado, porém observando-se sempre os princípios de moralidade e da legalidade na utilização dos recursos dos contribuintes niquelandenses quando houver necessidade de dispensa de licitação, mesmo que em outras áreas da administração municipal.
Porém, segundo a promotora, a Prefeitura de Niquelândia dá a entender que aguarda pela reforma da decisão judicial junto ao colegiado do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) em Goiânia, para manter a Servflora sem precisar concluir a licitação nos ditames previstos na lei que regulamenta essas contratações.
Ela também explicou que, tecnicamente falando, não há impedimento legal que o município firme contrato de coleta de lixo mesmo em valor superior ao que era pago pela Servflora pois o papel do MP não é atribuir preço; e sim ater-se à tarefa de monitorar o respeito às normas técnicas que regulamentam a execução de um contrato desse tipo, como um detalhado mapeamento da cidade que informe onde a coleta será ou não será feita, dentre outros pormenores.
RIGOR – “O meu papel, como promotora, é zelar pela observância da ordem jurídica; do patrimônio público; e do dinheiro público. E, apesar da Procuradoria Geral do Município nos dizer que não fará nova dispensa de licitação porque o Ministério Público pode questionar, nós (o MP) sugerimos sim que façam isso (a contratação mediante dispensa) mas que resolvam o problema da população de forma definitiva, a partir de orçamentos de empresas que realmente prestem o serviço de coleta de lixo e de limpeza urbana, pelo critério do menor preço. Uma empresa de locação de tendas, por exemplo, não tem condições de realizar esse serviço, o que representaria fraude na licitação. Não é o meu foco no momento mas existem sim, aqui na promotoria, procedimentos instaurados para apurar possíveis atos de improbidade administrativa por parte do prefeito – não só em função de irregularidades constatadas nesses procedimentos licitatórios emergenciais – mas também porque não se justifica o município cruzar os braços por mais de 30 dias, diante da suspensão desse contrato, inclusive por problemas de saúde pública e até mesmo por crime ambiental, decorrentes da não-coleta do lixo”, comentou a promotora Nathalia Portugal, aos meios de comunicação de Niquelândia na tarde de hoje.