Niquelândia

Barbárie: Polícia Civil prende casal que torturava menina de 4 anos

Lesões eram múltiplas e repetidas, sobrepostas à feridas que sequer haviam cicatrizado completamente, segundo laudo do IML de Uruaçu

Marcas num corpinho frágil – de todos os tipos, cores e tamanhos – e cicatrizes também na alma, que ainda vão demorar muito tempo para serem curadas. Mentes doentias, sem escrúpulo algum. No meio desse cenário de horrores, onde imagens chocam e valem por mil palavras, ao menos uma alegria: a agilidade e eficiência do delegado-titular da Polícia Civil de Niquelândia, Cássio Arantes do Nascimento, que prendeu em flagrante a mãe e o padrasto de uma menina de apenas quatro anos na manhã da quarta-feira (18) pela prática do crime de tortura na região da Fazenda Baixa, zona rural da cidade.

Tudo começou na noite da terça-feira (17) quando a avó da menina procurou o Conselho Tutelar de Niquelândia relatando que a menor era sistematicamente castigada por sua mãe, a dona de casa Célia Pereira da Silva, de 22 anos; e pelo companheiro dela, o auxiliar de serviços gerais, Lucas da Silva, de 24 anos. De acordo com o delegado, assim que a DP sob seu comando recebeu a notícia dos conselheiros tutelares, pensou-se inicialmente que a Polícia Civil estava diante de mais um caso de maus-tratos em ambiente familiar, algo até mais corriqueiro em se tratando de ocorrências no meio policial.

Porém, quando trazida à presença da autoridade policial, o delegado Cássio Arantes de imediato percebeu inúmeras lesões no corpo da criança (antigas e recentes), caracterizando assim tortura física e psicológica em função de exagerados ‘castigos’, já que a menina era obrigada a ficar ajoelhada por várias horas, causando-lhe machucados nessa parte do corpo. Isso sem falar nas doloridas surras com fios elétricos de cobre e varas de madeira, dentre outros tipos de materiais com potencial para ferir e cortar a pele de qualquer pessoa, sobretudo uma criança.

Célia, a ‘mãe’ e Lucas, o padrasto, estão presos na cadeia de Niquelândia (Foto: Reprodução: Polícia Civil/Facebook)

Por ordem do delegado, ainda na noite da terça-feira (17), a menina passou por exame clínico inicial no Hospital Santa Efigênia, ainda em Niquelândia. E, dada a urgência do caso – enquanto Lucas e Célia já estavam detidos na carceragem do DP – o delegado mobilizou suas equipes e um perito criminal da Polícia Técnico-Científica em Uruaçu, para a onde a criança foi levada ainda na manhã da quarta-feira (18), sendo submetida à exame de corpo de delito que formalmente comprovou a extensão e a gravidade das lesões no corpo da pequena menina.

Isso foi o suficiente para que a mãe e o padrasto da criança fossem autuados em flagrante pelo crime de tortura ainda na noite da quarta-feira (18). Os dois podem pegar até oito anos de prisão, se condenados pelo Poder Judiciário, com o provável agravante de que a situação do caso em si ficou caracterizada por repetidas torturas e não por um episódio isolado de agressão desmedida.

As fotos da menina – com o rosto preservado evidentemente, conforme rege o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – foram divulgadas pela Polícia Civil e ganharam amplo destaque nas redes sociais e muita revolta, lógico. E o próprio delegado de Niquelândia, apesar da vasta experiência profissional, parecia não acreditar no cenário macabro que vitimou um ser tão pequeno e sem possibilidade alguma de defesa.

Felizmente, no IML de Uruaçu não foram constatadas lesões nos genitais da criança, descartando a possibilidade de que haveria ocorrido abuso sexual. Segundo Cássio, restou constatado que o padrasto Lucas da Silva era foragido do regime semi-aberto do Poder Judiciário e que, contra ele, havia um mandado de prisão em aberto pela prática anterior de furto. O rapaz, em depoimento, disse que bateu “apenas duas vezes” na filha de sua companheira.

Para a Polícia Civil, embora o processo penal exija que as investigações individualizem a participação da mãe e do rapaz na pratica das agressões, o fato de Célia negar que tenha maltratado a própria filha não diminui sua culpa no dramático episódio: perante ao ECA, pai e mãe de menores são considerados ‘garantidores’ dos direitos invioláveis de uma criança como a manutenção do seu bem-estar físico, mental e material.  A criança passará por severo acompanhamento psicológico.

Menina de 4 anos era obrigada a ficar ajoelhada por várias horas, na zona rural de Niquelândia: tortura (Foto: Polícia Civil/Divulgação)

Sofrimento da criança causou perplexidade fora do comum na Polícia Civil, segundo delegado

Lucas da Silva, o padrasto, foi preso em flagrante sob acusação de tortura (Foto: Polícia Civil/Divulgação)

“Num primeiro momento, pensei estar diante de um caso de abandono de incapaz ou de ‘correção exagerada’ por parte do casal, mas não imaginei pudesse ser uma agressão tão incisiva. Mas, quando vi a menina, notei que ela estava machucada dos pés à cabeça, com sinais nítidos de que não tinha sido uma coisa eventual, o que me deu a certeza de que a menor estava sendo agredida há bastante tempo, ficando claro para mim que não era algo que havia ocorrido um ou dois dias antes da prisão deles. Quando a criança estava sendo examinada no IML de Uruaçu – laudo que eu precisava em mãos para ter a certeza do crime de tortura – nossos agentes de investigação estavam a campo para localizar o Lucas, que tentou usar um nome falso para não ser capturado. Esse caso trata-se de uma situação extremamente grave, que me causou perplexidade fora do comum, daí a prioridade absoluta para a constatação das lesões, não só pela questão humana, mas também porque o ECA assim determina. Ele (Lucas) já tinha esse histórico anterior pelo cometimento de outros delitos de agressão com base na Lei Maria da Penha. Em casos de agressão doméstica contra crianças, normalmente o marido/companheiro diz que apenas a mulher bateu; e a esposa/companheira também diz que apenas o homem bateu. Mas no depoimento, de um modo geral, eles (o casal) tentaram se proteger. Ele (Lucas) disse que só ele bateu (na menina); e ela (Célia) disse que só ela bateu na filha. É humanamente impossível que uma mãe não saiba que sua filha está lesionada/agredida dos pés à cabeça porque essa criança, no mínimo, tinha de tomar banho. Ou seja, se ela (Célia) teve conhecimento (das agressões) e não tomou nenhuma atitude, responde o processo como se tivesse praticado o crime; e ele (Lucas) responderia da mesma forma, por estar na condição de padrasto. Mas, para nós, restou apurado que os dois (Célia e Lucas) agrediam essa criança e, por esse conjunto de situações que relatei, ambos foram presos pelo crime de tortura”, detalhou o delegado de Niquelândia. Célia e Lucas, após as formalidades legais, foram recolhidos ao presídio de Niquelândia na noite da quarta-feira (18), onde vão aguardar pronunciamento da Justiça.

Cássio Arantes do Nascimento, delegado da Polícia Civil em Niquelândia: tortura contra menina era praticada há bastante tempo (Foto: Euclides Oliveira)

 

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